REFLEXÕES SOBRE A LEI Nº 15.240/25 Quando é preciso legislar sobre o óbvio.
- Júlia Guimarães Florim
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Em 2011, fui mentora de uma colega que escolheu como tema de sua monografia o abandono afetivo. Ao me aprofundar no estudo, tornei-me ainda mais consciente das graves e duradouras consequências que a ausência de afeto pode causar na vida de uma criança.
À época, discutia-se intensamente a possibilidade de fixação de indenização por danos morais em razão do abandono afetivo, como se algum valor pecuniário fosse capaz de mitigar as marcas deixadas pela ausência da parentalidade. Evidenciava-se, já ali, uma tentativa de quantificar juridicamente aquilo que é, por natureza, imensurável.
O dever moral de assistência afetiva, outrora inerente à estrutura familiar, foi progressivamente esvaziado pela fragilização dos vínculos familiares. Relações conjugais se desfazem na velocidade da luz, e o simples pagamento de pensão passou a ser, equivocadamente, compreendido como suficiente demonstração de cuidado e presença.
Não menos relevante é o dever moral dos filhos para com os pais na velhice, que envolve cuidado, afeto e assistência material — dever este igualmente relegado a segundo plano pela dinâmica individualista da sociedade contemporânea.
Como as indenizações e condenações judiciais não se mostraram suficientes para alterar a compreensão social acerca dos deveres inerentes à parentalidade, tornou-se necessária a edição de uma lei para reafirmar o que jamais deveria ter sido esquecido.
Os dispositivos inseridos no Estatuto da Criança e do Adolescente passaram a impor, de forma expressa, aos pais o dever de assistência afetiva, por meio do convívio ou da visitação periódica, assegurando o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento. Ainda mais contundente é o dispositivo que reafirma os deveres de sustento, guarda, convivência, assistência material e afetiva e educação dos filhos menores.
A edição da Lei nº 15.240/25 escancara uma realidade incômoda: chegamos ao ponto de precisar positivar o afeto porque a consciência coletiva falhou. Quando o Direito se vê compelido a normatizar o óbvio, não é a lei que avança — é a sociedade que retrocede. E nenhuma legislação, por mais bem-intencionada que seja, será capaz de substituir aquilo que deveria nascer espontaneamente: a responsabilidade moral de cuidar, amar e estar presente.

Julia Guimarães Florim
Advogada especialista em Direito Constitucional e Previdenciário.



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